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terça-feira, maio 02, 2006

Desenrascanço?

A palavra “saudade” perdeu o mérito de ser a única palavra sem tradução noutro idioma. A palavra que a destronou é algo que, tal como o fado, é muito nosso: o desenrascanço.

Esta palavra aparece na Wikipedia, como: “A capacidade que os portugueses têm para improvisar uma hipotética boa solução na situação mais improvável de resolução.” Diz-se, ainda, “… que os portugueses crêem que esta é uma das suas maiores virtudes…”.

Será?

Esta introdução serve para apresentar o assunto deste artigo: os Acidentes de Trabalho em Portugal. Se calhar, estará agora a pensar o que é que o desenrascanço tem a ver com os acidentes de trabalho! Vá lá, pense um pouco … será que já lá chegou?

Vamos começar por analisar alguns dados relativos ao n.º de acidentes de trabalho em Portugal:

N.º de Acidentes de Trabalho Mortais por Sector de Actividade

N.º de Acidentes de Trabalho Mortais

Agricultura

7

Indústria Transformadora

41

Construção

86

Comércio e Serviços

17

Transportes e Armazenagem

6

Administração Pública/Regional

6

Outros Sectores

6

169

Dados da IGT 2005

O maior número de acidentes mortais, como não poderia deixar de ser, verifica-se na Construção Civil (mais de 50%) seguido pela Indústria Transformadora. Muito desenrascanço há nas nossas obras!

Apesar do n.º elevado de acidentes mortais, estes têm vindo a baixar, de uma forma constante, ao longo dos últimos anos: 219 acidentes mortais, em 2002, para 169 em 2005. Esta diminuição fica-se a dever, essencialmente, às campanhas de SHST (Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho) e à maior fiscalização das empresas e das obras de construção civil.

Outro indicador interessante para a análise global deste problema será a análise dos acidentes pela dimensão da empresa:

N.º de Acidentes de Trabalho Mortais

por Dimensão da Empresa

Dimensão da Empresa

Totais de Acidentes Mortais

Construção Civil

[1-9]

61

30

[10-20]

22

14

[21-50]

34

15

> 50

52

27

Totais

169

86

Dados da IGT 2005

Estes dados mostram-nos que, quanto menor a dimensão da empresa, maior o n.º de acidentes de trabalho mortais. Para compreender melhor esta situação, podemos continuar a explicar o conceito de desenrascanço. Continua a explicação: “ …um dos exemplos de desenrascanço é o facto dos trabalhadores portugueses trabalharem sem as condições/ferramentas adequadas …”. Ou seja, o facto de não lhes ser disponibilizado equipamento de segurança, necessário à execução dos trabalhos, ou mesmo a resistência de utilização por parte dos trabalhadores leva a que estes valores sejam extremamente elevados. Situação esta que poderia ser evitada, se fossem tomadas as medidas de segurança necessárias e obrigatórias.

Vamos, agora, analisar um importante indicador que nos dá a % de dias perdidos por acidente de trabalho:

Acidentes e dias de trabalho por duração da baixa do acidente que os causou (%)

Acidentes de Trabalho

Dias de Trabalho Perdidos

1 a 3 dias

11,8%

1,2%

4 a 30 dias

67,0%

36,0%

Mais de 30 dias

21,2%

62,8%

Dados da DGEEP 2003

Esta análise leva-nos a uma conclusão preocupante: 67% dos acidentes de trabalho levam a perdas de 4 a 30 dias de trabalho e 21,2% dos acidentes levam a ausências no trabalho, superiores a 30 dias. Estes dados implicam, como é óbvio, diminuição da taxa de produtividade face ao elevado n.º de dias perdidos pelos trabalhadores das empresas.

Uma política de prevenção, por parte das empresas, que possibilitasse formação específica nesta área (obrigatória no Código de Trabalho), que disponibilizasse EPI´s (equipamentos de protecção individual), adequados à função desempenhada, e que cumprisse todos os requisitos legais de SHST, permitiria uma redução do n.º de acidentes de trabalho, redução da taxa de absentismo e, como tal, uma minimização das paragens do ciclo produtivo. Para além disso, trabalhadores saudáveis são, por lógica, mais produtivos.

Será, pois, necessário que os empresários e trabalhadores comecem a olhar, de uma forma mais profunda, para a relação custo/benefício das actividades preventivas, visto que uma redução dos custos inerentes às baixas por doença, à substituição destes trabalhadores por outros menos habilitados para a função, à manutenção de um quadro pessoal superior ao necessário para fazer face a eventuais faltas trará sempre vantagens económicas para as empresas.

Podemos considerar o desenrascanço como um aspecto positivo para “resolver” situações pontuais, mas não para a resolução diária dos problemas das nossas empresas. Nunca poderá, nem deverá, servir como justificação para a não utilização de EPI´s, para a falta de condições de trabalho, para a falta de formação em SHST, para o excesso de horas de trabalho, para o consumo excessivo de álcool (muito normal na construção civil), etc.

Desenrascanço?

Porque não?

Mas sempre na medida certa!

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